domingo, 23 de novembro de 2014

A Minha Cor Não Nega







O meu cabelo não nega
Não nega a minha cor
O meu nariz não nega
Não nega a minha cor
Os meus lábios grossos não negam
Não negam a minha cor
O brilho dos meus olhos não nega
Não nega
Não, nega
Não deixe que te neguem
Não te renegues
Não te negues nunca mais






A dor que trago marcada na pele
Não nega a minha cor
Foi essa dor que me fez tão forte
As minhas lágrimas viraram luta
Para deixar de ser escravizada
por teu preconceito voraz
Para deixar de ser diminuída
Por teus atos racistas
As minhas mãos calejadas
não negam a minha luta
e a minha força para lutar
Não nega a minha cor
As minhas costas, antes arqueadas
Estão cada vez mais erguidas
Assim como a minha cabeça

A nossa beleza sublime
Não nega a nossa cor
Somos belos, tão belos
E a nossa imensa beleza
foi por tanto tempo negada
ofuscada dentro de padrões
tão hipócritas e superficiais
quanto os seus ditadores

Mas as vendas que puseram
em nossos olhos
que nos impediam de ver
a magnitude da beleza
do nosso cabelo crespo,
dos nossos lábios grossos
dos nossos belos traços,
da nossa negra cor
foram abolidas
e agora, que nos vemos
pelos nossos olhos,
pela nossa alma, pela nossa essência
enxergamos o quanto somos lindos
o nosso espelho reflete isso
e seremos espelhos para os nossos

As minhas raízes ancestrais
Não negam a minha cor
Este sangue africano
Que corre em minhas veias
Que me faz guerreira
E a minha raiz é tão forte
que, mesmo com todos me dizendo não,
eu me disse sim
e a partir de então
mesmo sem o mundo
querer me aceitar
eu me aceitei
como realmente sou
negra beleza de força e valor

Trago bordada na pele
A grandeza de uma história
composta de dores, lutas e glórias
e a minha gana, a minha garra,
a riqueza estampada em mim 
Não negam a minha cor






quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Manoel de Barros - O meu poeta amado

Poesia é descobrir mundos,
descobrir-se pelas coisas desimportantes da vida
(azul revelado pelos pássaros)
Perceber coisas raras nos despropósitos
(uma solidão que anda na parede)
Camuflar dores, descobrir sorrisos nos olhares,
expelir arrepios intensos guardados 
no mais secreto do ser, de cada ser
Um ser sem ter sido, um voltar sem ter ido
(Canto de pássaros num silêncio que grita)
[De Pérola Para meu amado Manoel]

“É no ínfimo que eu vejo a exuberância”

“Um fim de mar colore os horizontes”

“A minhoca é uma solidão que anda na parede”

“Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio”

“Deixei uma ave me amanhecer”

“Sol, s.m.
Quem tira a roupa da manhã e acende o mar”

“Tudo que eu não invento é falso”

“Poesia é voar fora da asa”

“A reta é uma curva que não sonha"

“Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”

"Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina”

"Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando"

“Tem gente que nasce poesia”

"Andando devagar eu atraso o final do dia"

"O que eu não sei fazer desmancho em frases. Eu fiz o nada aparecer"

"Os passarinhos se molhavam de vermelho na manhã"

"Me explica por que um olhar de piedade cravado na condição humana
não brilha mais que um anúncio luminoso?"

“Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina”

“A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela”

“A voz de um passarinho me recita”

"As palavras mais faceiras gostam de inventar travessuras. Uma delas propôs que ficássemos de horizonte para os pássaros. E os pássaros voariam sobre nosso azul. Eu tentei me horizontar"

“Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que fui salvo”

"Tenho candor por bobagens. Quando eu crescer eu vou ficar criança"

"O corpo do rio prateia quando a lua se abre"

"No meu morrer tem uma dor de árvore"

“Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos”


Estas palavras simples, ricas e tão belas são de Manoel de Barros, um dos meus poetas preferidos, fonte de inspiração, suspiros, risos, encantos... Aprendi a amar o Manoel pelas “iluminuras” de suas palavras, eu lia e ouvia o canto dos pássaros que voavam em comunhão, via o desabrochar das flores, sentia a brisa da manhã voando em meus cabelos. E me encantava e me encantava mais...

Adeus, Poeta! A tua poesia estará eternamente viva em mim! E sempre que eu ouvir o canto dos pássaros sentirei um novo poema teu amanhecer.








segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Não sou tuas negas (ressignificando)









O teu racismo não te deixa ver,
mas não sou tuas negas
e você não tem o direito de me usar,
de me diminuir, de me escravizar,
dentro de estereótipos reincidentes,
estúpidos e repugnantes.
Não sou tuas negas,
então para de me expor da forma
com que a tua podridão interior me enxerga.
Talvez tuas negas sejam
quem aplaude estas tuas asneiras,
são como tu, seres ignorantes,
que não fazem o mero esforço para entender
que cada vitória nossa é fruto de muita batalha
e cada triunfo nosso é um passo gigantesco
de uma história tão sofrida
de negação, humilhações e lágrimas.
Mas as nossas lágrimas viraram luta
e nos deram força para dizer não
a quem nos dizia não
e para dizer um grande sim a nós mesmos.
Por isso digo e repito: Não sou tuas negas.
E se, pra você, alguns pontos na audiência
representam mais que tudo isso,
você não me representa.
A tua falta de consciência,
a tua falha de caráter,
e a tua falta de humanidade,
somadas à tua burrice,
são a tua própria escravidão
e quem vive aprisionado em si mesmo
não consegue enxergar a verdadeira
beleza que existe ao redor,
cegueira voluntária de um pobre ser.
E se, por tua crueldade e preconceito fétido,
não consegues me aceitar,
eu me aceito
e por me aceitar
é que eu te digo não,
não sou tuas negas.







quarta-feira, 16 de abril de 2014

Canto Nagô


Saulo Fernandes, com toda a sua gentileza, humildade e sensibilidade, declamando "Canto Nagô", um dos meus poemas. A emoção, a honra e a alegria deste lindo momento não dá para descrever... Está guardado no coração. Obrigada por ser, Saulo!




De origem nagô
A beleza na cor
O teu grito ecoou
De força e de dor
Como o som de um tambor
Lágrimas derramou
Teu suor pingou
Tua força brotou
Tua pele brilhou
Tua grandeza emanou
Luz irradiou
e o mundo enxergou
tua essência, teu valor






quinta-feira, 13 de março de 2014

Quarta de chamas



Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.”
[Luís Vaz de Camões]








Quando os olhos falam
e queimam,
traduzem o que o coração esconde
 na parte mais abissal,
e chama,

nem precisava estender-me as mãos. E o teu abraço, verdadeiro e demorado, bordado de toda a saudade, tanta saudade... me fez sentir o teu coração e ele pulsava junto ao meu, e o que era oculto se revelou num instante, sem precisar de palavras, quando estas nasceram e brotaram de ti, tudo já estava revelado e tão nítido. Na tua voz havia lágrimas, em nossos olhos chovia. E todo aquele barulho ao redor, de repente silenciou e a multidão desapareceu, como se fôssemos só nós dois e um amor que nunca nos deixou. Era uma quarta, e seriam cinzas, mas tornou-se chama outra vez.

[nas cinzas da quarta, as chamas de um amor em cinzas]








Postagens Recentes Postagens Antigas Inicio