segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Olhos de chover



Os olhos despetalavam,
Chovia por dentro,
As nuvens ficaram carregadas,
Tudo nublado,
Tudo sombrio,
Chovia torrencialmente
Por dentro dela.
Ela correu, tentou escapar,
Mas não havia sequer um abrigo,
E ela não sabia parar de chover.
Inundada, foi assim que ficou,
Afogou-se em suas próprias lágrimas.

(Só um momento, quero explicar algumas coisas sobre aquela chuva constante da menina. Ela chovia no riso, chovia na dor, chovia na emoção. Ela não tinha mais guarda-chuva, nenhum resistiu a tanta chuva e da capa ela nunca gostou. Não sei explicar isso, mas eu sempre desconfiei que aquela chuva toda brotava de um sentir tão intenso que a incomodava, porque sentir muito dói, mas ela não conseguia passar os olhos por cima da vida, e chovia por não conseguir e chovia por querer conseguir. Se via as cores de Frida, chovia. Se lia as dores da vida, chovia. E se não via, trovejava, por achar que o seu sentir partira. Via Macabéa e chovia, por achar que era como ela, uma incompetente para a vida. Ouvia olhos nos olhos e chovia, e Chico fazia companhia. Sentia a voz de Bethânia e se debulhava, aquilo penetrava e era de uma beleza que em si não cabia e chovia. E quando a percussão da Timbalada tocava, era uma energia que não tinha jeito, chovia e chovia. Quando via o Ilê passar, chovia que escorria. E quando o Renato dizia que temos todo o tempo do mundo, ai como ela chovia! Ela achava que todo o tempo do mundo era demais e ela era pequena diante disso, nada havia, só chovia. E coisa era quando ela lembrava de um livro que leu lá na infância, quando ele aparecia na frente dela flutuando, passando as folhas e destacando o marca texto nesta parte: “O essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”, ela sabia e chovia por saber disso, ela não queria sentir tanto, sentir muito dói – eu já disse isso, não é? Na hora do filme, na cena em que o mocinho beijava a mocinha e aparecia a palavra fim, ela chovia, ela não gostava de finais e ela sentia a dor do que perdia a mocinha, ficava criando cenas para a cena, não gostava de coisas previsíveis, acho que foi por isso que ela passou a não gostar mais de novela, ela chovia por saber que já sabia como seria o final, sempre a mesma coisa e a vida não é assim, e chovia quando lembrava que queriam dizer que a novela retratava a vida, não mesmo, a casa de novela mais singela para ela era uma mansão e chovia por saber que a realidade que retratavam da realidade era surreal, todo mundo acordava bonito, maquiado e sentava pra tomar café da manhã, e chovia por sentir o que não lhe cabia, por achar que estava sendo falsamente retratada e chovia quando via um negro em um papel bem sucedido na trama e ouvia no buzú os comentários “estamos evoluindo, negros estão fazendo outros papéis maiores” - Isso lá é comentário para se fazer a esta altura? Chovia quando via a lida da vida que não se lê. Chovia quando via as gigantes miniaturas da vida. Chovia quando passava a página de um livro e o vento movia os seus cabelos e as palavras moviam tudo por dentro. Chovia ao ler os versos daqueles poemas, que eram tão simples e tão bonitos, aquilo era como uma paisagem das mais belas para ela, as lágrimas iam se formando em câmera lenta e quando ela percebia a página também chovia de si. E chovia por sentir que o ser humano não deveria ter somente dois olhos na face. E se fugia, chovia, por não conseguir escapar de si).

Não sabia nadar,
Não sabia parar de doer.
Pobre menina!
Os seus olhos só sabiam chover.

[E quando estiava, ainda chovia]





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